Para ti, minha filha,
Deixo de herança todas as minhas mazelas.
Que tua alma se consuma feito a minha,
No caldeirão de malfeitos no qual fui marinada e ungida,
Posto que sou sagrada.
Mas que tu entendas, minha filha:
Até os meus malfeitos são perfeitos –
Milimetricamente perfeitos –
Lustrosos e rebuscados ao ponto de mentes menos sagazes defenderem.
…
Sou teu arquétipo e não admito que diferente de mim sejas.
Sou tua juíza e teu algoz –
Cassei tua voz! –
E projeto em ti tudo que sou,
Que nego,
Que invejo –
Sou pura inveja! –
Que odeio,
Que gostaria de ter sido,
Que nunca fui.
…
Agradeças, minha filha.
E quando pensares em ser diferente,
Bem no fundo da tua mente,
Ouvirás a minhas voz e não te atentarás
Que sou dona do teu inconsciente.
Esta é para ti a minha fiel herança:
Tornei-te esta insegura criança,
Que jamais será capaz de perceber,
Até mesmo quando adulta,
Que és apenas mais uma de minhas infinitas –
E ainda assim narcisicamente perfeitas –
Lambanças.




