E nas madrugadas Nunca, nunca frias Sentiam-se invisíveis e imunes Protagonistas de seus próprios dias: Nada, nada temiam Pois o medo não lhes reconhecia.
E nas vielas quase escuras Em retas e curvas Seus corpos queimavam E se consumiam Sem nenhum pudor – Puro resplendor – Que em seus corpos flamejantes ardia.
Cegavam olhos curiosos De pregadores – Pecadores! – Zelosos tentando manter ao longe Aqueles que tinham a galhardia De ser a soma fecunda e profunda Do estarrecedor desejo que a eles consumia.
Tendo a Lua como única testemunha Da sua luxúria e devassidão Não se importavam Em fazer ouvir aos outros Os inúmeros “Eu te amo” Ditos entre suas peles e almas despidas.
Entendo pouco ou quase nada de espanhol, mas tenho visto nos detalhes da língua labaredas e estampidos que eu desconhecia.
No meu curriculum, nego-me a dizer que tenho espanhol básico ou algo que o valha. Eu não entendo espanhol. Eu sinto. Em nível mais do que avançado, diga-se de passagem.
Tem a ver com os vinhos e com as poesias que há dentro deles. Com os amores intensos que não duram mais que uma noite. Com a aproximação suave de quem chega de repente e fica. Constrói, cativa.
Em espanhol também choro saudades de quem já fui. Foi preciso ser o que não mais sou para que eu fosse o meu agora. Para que as lágrimas que tanto vi refletidas em uma taça de vinho se transformassem em sorrisos. Para que eu pudesse ver além do cristal.
Mas, sobretudo, em espanhol eu te beijo. Em espanhol sou raso e sou fundo. Sou incêndios, furacões e tormentas. O antes, o durante, o fim do mundo.
O espanhol é todas as línguas. A minha, a tua. Língua dos confessionários que são as camas e os quartos. Teus quartos. Tuas entradas. Não há saída.
Teu cabelo negro e avermelhado diante do sol adentra meus vislumbres de Neruda e rasga meu peito. Teu gozo é em braile e arranha meu pescoço, minha alma. Tira-me o chão. Devolve-me tudo.
O espanhol fez e faz isso por mim todos os dias. Estou ouvindo o teu chamado até quando tu não me chamas. Óleo de macadâmias que não saem das minhas mãos bezuntadas de ti que esfrego em minha face. Estou e vivo rúbio.
Ouça minhas palavras com cautela, pois como disse, não sei falar espanhol. Entretanto, bem sei que tu me conheces mais pelo que não digo. Lonjuras entre nós são puro castigo. É real e iminente o perigo.
Na tentativa de abafar Com um travesseiro Os gritos e gemidos Que jorravam de sua boca Em meio a todos aqueles aguaceiros Acabou por se entregar Ainda mais Muito, muito mais E fez rugir e estrondar A cama, o quarto E nossos corpos inteiros.
– Nossa… Você me enlouquece, me deixa sem ar… Fico até com a sensação de que vou desmaiar… Nunca senti as coisas que sinto com você… Pode estar certo disso!
Qualquer homem com um mínimo de experiência ouve essas frases com cautela. Podem ser ditas apenas para deixar o homem feliz. Por outro lado, fazer amor é muito mais do que uma coisa carnal. Quando há amor, carinho, confiança, cumplicidade, intimidade, entrega e coisas do tipo, a coisa toda acontece em outro patamar. E sim, eu também sentia o que ela sentia, e achava tudo entre nós muito natural diante do amor que sentíamos um pelo outro.
Como era muito frequente ouvi-la dizer essas coisas (todas as vezes), um dia eu resolvi falar mais sobre o assunto.
– Da maneira que você fala, parece até que tenho algum tipo de super poder. Não tenho. E te digo mais… Tudo que acontece entre a gente, que de fato é maravilhoso, é algo só nosso, que já existia em você, que já existia em mim. O amor que sentimos um pelo outro faz as coisas acontecerem dessa forma.
– Mas se já existia, por que demorou tanto tempo na minha vida para eu sentir algo assim? Nunca senti nada nem perto disso… Tudo é novidade… Tenho vontade de fazer coisas que nunca pensei que fosse fazer nada vida…
– Eu acredito – retruquei – até porque eu também sinto isso. Sinto exatamente a mesma coisa. Aliás, andei pensando sobre esse assunto esses dias e encontrei a resposta. De nada adianta um homem ter uma Ferrari se não souber como pilota-la.
– Não entendi… O que você quer dizer com isso? – ela era pura curiosidade ao fazer essa pergunta. Chegou a se afastar de mim e a me encarar para fazê-la.
– Você é uma Ferrari. Só faltava encontrar o piloto certo.
Ela me encarou por alguns segundos, e me beijou profundamente. E mais uma vez, foi tudo como nunca, como era sempre entre a gente.
Despi-me do sonho Vesti-me da verdade: No que é invisível aos olhos Teu gosto Teu rosto Os excessos do meu corpo Corredeiras que jorrro – Que pedes E que encaras – Morro Esfrego Puro gozo E nos teus olhos Acidentados de alma sanitária Realizo-me E nem disfarço.