O cheiro da broa de milho O café sem pressa Os vizinhos sempre bem-vindos Era assim quando eu era menino E acreditava em coisas à beça
O café agora é espresso Os vizinhos? Desconheço A porta da rua sempre trancada A broa de milho é da padaria E a violência é a notícia do dia
Saudades da época em que eu achava Que tinha tempo a perder Do avô, da avó, dos tios, dos primos Da sensação de não correr perigo De ver no mundo um grande e acolhedor amigo
E nesse instante – Agora! – Enquanto meus pensamentos vão Para um passado distante O tempo parou de seguir adiante E para mim voltou
É que eu ainda sou o menino Que se inebria Quando sente o cheio de erva-doce E que queria que a vida fosse Sempre uma tarde de domingo.
Entre nós, nada de novo:
Não nos falamos
Nos ignoramos
Não existimos
Diante de nós mesmos
Diante dos outros
Oficialmente não somos nem alguéns
Mas não há nada mais oficial
Do que o que dói sem título
Do que é cicatriz sempre aberta
Do que é sangue morto-vivo
Do que é lacuna nunca cheia
Do que é enchente vazia
Repleta do que não se pode sorver
Talvez, um dia talvez
Mudem o nome da tua rua
Da nossa rua
Mudem a rota daquele ônibus
Mudem a cor daquele muro
Mudem aquela árvore de lugar
Cubram os trilhos do bonde
Cubram os antigos paralelepípedos
Mas nada jamais irá mudar
Queiramos ou não
Aquele domingo